sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Orfeu

O jabuti perdeu a companheira por causa de um ovo atravessado que nem o veterinário conseguiu tirar.

Durante meses, ficou a percorrer aflito o jardim, de cá para lá, de lá para cá, procurando-a.

Nas épocas do cio, soltava, angustiado e cavo, o seu chamado de amor.

À falta de resultados concretos, acabou por finalmente desistir da busca.

Voltou a andar no passo habitual e ficar, como antes, longas horas imóvel aquentando ao sol.

Isso até o dia em que deixaram encostado ao muro do fundo do quintal um velho espelho.

Assim que topou com ele, estacou e se pôs a balançar a cabeça de um para outro lado no esforço de reconhecimento.

Quando julgou distinguir ali a companheira, soltou, mais angustiado e cavo do que nunca, seu chamado de amor.

Repetiu-o o dia inteiro diante do vidro impassível. Porém ela continuou para todo o sempre prisioneira do espelho.

-José Paulo Paes

Um comentário:

Anônimo disse...

kkkkkkkk

Li esse poema ontem!

Grande abraço.

Sempre leio seu blog, meu velho!