domingo, 29 de novembro de 2009

O corpo

"O corpo é a mais previsível das composições musicais: tocas aqui, desencadeias algo ali; desencadeias algo ali, provocas algo acolá. Cada corpo com a sua melodia: sempre previsível. É isso conhecer alguém: decorar-lhe as notas, as modulações, as entoações certas para cada segundo a dois. O outro lado de já conheceres, de trás para a frente e da frente para trás (literalmente: em ambos os casos), o corpo de alguém é só um: tédio. Tu sabes: uma música, ouvida vezes sem conta, não deixa de ser uma música que amas; mas não é por isso que não deixa de ser, também, uma música que, dia após dia, te custa mais ouvir. Ama-la – ama-la demais (e, de cada vez que a ouves, ganhas ainda mais consistência nessa certeza: ama-la); mas custa-te ouvi-la, custa-te continuar a ouvi-la: estás gasto dela. E não queres, em ti, gastá-la ainda mais. Então procuras: músicas novas; nem que menos agradáveis: novas. Músicas que não amas – no máximo: gostas. Mas que ouves – e que ouves como uma criança descobre um brinquedo: eufórico, entusiástico. A criança que ama um brinquedo – o brinquedo velho pousado a um canto é o que ele, mesmo não o parecendo, ama de verdade: o que ama. E é tudo. Os outros, os novos, aqueles com que ela perde o dia e os dias, são meras melodias passageiras. Ela sabe que, quando chegar a hora de escolher (e chega sempre a hora de escolher), vai escolher o velho – o que está encostado há anos num canto sombrio, mal-cheiroso e bafiento do sotão. Como tu: sabes que, por mais tédio que te cause, é aquele, o único, o amor que amas. Sabes que, quando chegar a hora de escolher, vais voltar a ele. Só não sabes – não me digas que ainda não tinhas pensado nisso – é se ele estará lá a essa hora. Excitante, não?"

-Pedro Chagas Freitas

http://pedrochagasfreitas.blogspot.com/

Um comentário:

BeaPersian disse...

muito bom mesmo. comparaçao perfeita para aqueles que amam a musica e sabem o que é o amor.

:)