segunda-feira, 12 de outubro de 2009

AS BORDADEIRAS (DRAMATURGIA CURTA)

(Bordadeiras. Hábeis mãos que tecem estórias.)

Neide: Era valsa!
Agripa: Não, num era valsa.
Neide: Uma valsa! Tenho certeza, Dourival que é cunhado da Jossi, sabe a Jossi? Aquela filha da Dona Lurdes. Peor. Dourival viu e me contou.
Agripa: Eu tava lá Neide, vi tudo. Não era valsa. Para de morar com a teimosia.
Neide: Oh, Cristo Jesus! Que tanto querer ser dona de todas as razões no mundo. Já ta véia pra ficar cheirando coco de vaca. (Ri)
Agripa: Na flor véia, a ultima coisa que morre é o espinho. (espeta Neide com agulha)
(...)

Neide: E funcionou?
Agripa: O que?
Neide: A valsa!
Agripa: Não era valsa!
Neide: Que seja. Funcionou?
Agripa: Dum certo sim e dum outro as coisas ficam um pouco mais neblinada. Mas que era moço bonito era. Ô! Se tivesse uma eleição duns homis bonitos no mundo, esse com certeza era o segundo!
Neide: Segundo?
Agripa: É! O Primeiro é Zino, meu marido. Que Deus tenha. Virou reza. Mas esse era bonito, dava vergonha até.
Neide: Ah. Mas a moça não ficava passo atrás. Titinha até no nome já se saltava. Titinha! Juca filho de Fernanda, sabe Fernanda? Aquela que mora perto, no Onça. Peor. Juca chorava amor todo dia por ela. Pergunta se deu renda?
Agripa: Deu renda?
Neide: Deu nó!
Agripa: Pois é, sempre da dó.
Neide: E que deu do homem bonito com Titinha?
Agripa: Xi. Ficava só olhando pelos furo da cortina. Todo dia, depois da batida do final de tarde, ele passava. Já diviam ter se reparado há tempos, pois sempre ele passava posando. Me ria. Quadra e meia pra cima onde a janela dela não chegava, via sempre que ele parava e se engomava todinho, até os pelinho dos dedo ele penteava. De certo, ele jogava poses e ela sorrisos.
Neide: Aix. Ó! Até arrepia!
Agripa: Ficaram assim até que ele inventou as flores. De tempos, ele começou a parar a tropa em frente a janela dela com uma flor, cada dia de uma certa cor. Quando tinha certeza que ela via, despetalava a flor e.
Neide: Comia! Pétala por pétala. Só não comia o cabo. Ouvi dizer. Junin que era primo de consideração de um amigo de cachaça do tal moço, me disse que o amigo disse que ele fazia isso pra preparar o beijo. Dizia que só ficaria de mel com Titinha e mereceria seus beijo se a boca dele fosse pura de maldade e exalasse igual as frô.
Agripa: Óia. Que essa parte eu já num sabia. To besta!
Neide: Diziam. Continua.
Agripa: Com o passar dos tempos as coisa se embunitava de vez. Ela começou a se vestir de mais linda do que era, todos os dias, só pra ver ele passar. Cada dia um detalhe novo. Um brinco. Um colar. Um perfume. Vestido por cima de vestido.
Neide: Mire. Pra um homem que só se viu passar pela janela, nunca se conversando.
Agripa: Não deu um mês. Um mês? Menos, cada dia novo dia. Chegou num ponto em que se não podia mais de agüentar. Ele já começava a trazer um buquê inteiro de flores pra comer na frente dela. E ela já se vestia de uma única vez, todas as peças do guarda-roupa, passava todos os vidros de perfume e se usava todas as tintas disponíveis na cara.
Neide: Exagero?
Agripa: Nada. Eles tavam juntando amor. E quando ele, o amor, se atingiu nos estágio mais alto de se agüentar. Um só peito é pouco. Aconteceu a noite em questão.
Neide: Da valsa!
Agripa, olha feio: Da serenata! Tava noite de lua completa e eu que nem nada mais esperava a não ser o sono. Lá do fundo eu me pus a escutar... (cantam uma musica, que vai subindo de volume ao poucos) Tava ele lá, lindo. Fecho a rua com um chão de flores.
Neide: Não exagera, cubriu só o chão da carroça.
Agripa: E ela se vestiu com todas as roupas, de todos os guarda-roupas, de todas as vizinhas da rua.
Neide: E você ta vestindo o que agora? Não era todas?
Agripa: Ele jogou um beijo, e ela se deixou atingir. Deu passos de chuva pela rua, o que deixou ela toda molhada. Todo cheio ele, nunca que parava de cantar. Na frente da janela, ela estendeu a mão. Se tocaram pela primeira vez e se sumiram. Palavra nenhuma disseram não, pelo menos não que eu tivesse ouvido. Deixaram só pra falar com as orelhas. E baixo, bem baixo.
Neide, encantada: E o resto?
Agripa: O resto? Não se sabe. Trancaram a janela e lá ficaram. Inté hoje. Nunca que saem.
Neide: Eita. E comem o que?
Agripa: Amor, Neide. Come amor.
(...)
Neide: Agripa?
Agripa: Hum?
Neide: Será mesmo que não era valsa?

(Cantam)

do meu amigo Leandro D'Errico

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