sexta-feira, 14 de agosto de 2009

"Só você violão/compreende porque(...)"

Vendi hoje meu violãozinho Di Giorgio pr'uma aluna minha, agora que deu tempo de refletir percebo que isso, pra mim, é o fim de um ciclo.
Eu sei lá como fui cair nessa vida de músico, de repente eu era o único na minha bandinha adolescente que não tocava porra nenhuma e só tinha a cara-de-pau necessária pra encarar o palco na frente e (fingir) cantar; mas decorar letras nunca foi o bastante, a música tinha que acontecer num todo então comecei a pegar toques do instrumento que me parecia mais próximo: O violão.
Meu pai demorou pra ceder e me comprar um violão, eu dava trabalho desde os meus 12 quando entendi que não era lá muito fã de escola e isso dificulta qualquer possível facilidade com os pais de um adolescente, mas sempre dei meus jeitos.
Passei meses e meses com violão do vizinho de cima, que eu mal conhecia, emprestado e, bem, foram aqueles meses que ninguém queria ficar do meu lado ouvindo qualquer coisa que eu tocava, e depois com o violão da irmã de uma menina que eu ficava(e que durou, tipo, uma semana...) e depois em Itapipoca rodando de havaiana, madrugada afora na rua com o velho Giannini que minha tia nunca soube dizer se foi do meu tio, que morreu quando eu tinha 5 anos, ou do meu primo, militar que se converteu ao cavaquinho.
Foram uns 3 anos dando um jeitinho brasileiro pra aprender alguma coisa(afinar, ler cifras da internet, tirar música de ouvido) quando a gente foi numa loja ao lado da rua Gravi, aonde meu pai foi criado, na praça da árvore e eu levei o Tonante, numa caixa de papelão, pra casa.
O bicho era um tanto pequeno e tinha cordas de aço quando ganhei, o que ocasionou umas bolhas um tanto chatas, alguns meses depois eu mudei pro naylon; é claro que o velho sumia com o meu violão quando o meu boletim chegava e as expectativas quanto ao jovem Pedro eram frustradas uma em cima da outra...
Lembro que eu passava tanto tempo com o violão que irritava muita gente(começava a encantar umas poucas, pelo menos), aí bobeei, fiz 17 anos e tive que fingir certeza do que eu queria na vida, passei a ter aulas de música de verdade com um professor, aprendi a ler partituras, ouvir música erudita, harmonia e aprendi que ia querer passar a vida aprendendo mais.
Então, depois dos porres de formatura do colegial, fui aprovado na primeira fase da prova prática pra faculdade de música, fiz aquela preparação marromenos, como me é costume fazer, pra entao acordar naquela manhã de janeiro meio em pânico que nada ia dar certo, então convenci minha mãe em cima da hora de ir na loja aqui do lado e comprar um violão um pouco mais decente pra mostrar serviço.
Daí chegou o Di Giorgio com a capinha de couro, não fui aprovado naquele ano então foi o ano de cursinho, sinuca, boteco, estudar piano(vendi meu primeiro violão pra professora de piano), canto e violão e me imaginar preparado pro vestibular... e o Di Giorgio com tampo de pinho barato e cordas de naylon ia comigo pra todo canto: Bar, festa, casa da namorada, casa do amigo, banheiro(!)...
Quando aí entrei na faculdade em 2007 comecei a entender que meu violão não era assim uma brastemp, aliás comecei a achar que entendia muito de muita coisa e fui levando as desilusões do primeiro ano de faculdade, até aí normal.
Agora com 21, um violão foda que eu esperei um ano e meio pra ter na minha mão, um professor de violão de tirar o chapéu, uns alunos pra ensinar, uns pedaços de unha pra roer, uns amigos pra vida toda que já foram com o vento, umas namoradas que ficaram lá pra trás e alguma responsabilidade já pesando na cabeça eu me desfiz do "pedaço de madeira" Di Giorgio e deu um negócio aqui do lado agora de lembrar do que passei com o bicho do lado.

E olha, quiçá ele dê tanta alegria pra dona de agora quanto deu pra mim, porque não nada mais musicalmente triste que instrumento engavetado.

3 comentários:

Autora escondida disse...

"...porque não nada mais musicalmente triste que instrumento engavetado."

Que LINDO!
Nossa... "deu um negócio aqui do lado agora" em mim também. De verdade.

Kika disse...

Nossa, moço, você escreve muito bem. Adorei!!!

Anônimo disse...

eu sou musicalmente triste... :/